Em 1680 o Rei de Portugal implantou à margem
esquerda do estuário do Prata, a Colônia Militar do Santíssimo
Sacramento - autêntico desafio aos espanhóis de Buenos Aires. Em 1737
foi estabelecida uma Comandância Militar na foz da Lagoa dos Patos. Mas
nessa região escassamente povoada e apenas trilhada pelos caçadores de
couro, a soberania lusitana somente seria firmada se fossem
desenvolvidas condições efetivas para um povoamento estável. Para fazer
frente aos 'espanhóis confinantes', não seria suficiente o tipo de
povoamento até então implantado noutras regiões do Brasil. Como bem
salientou o historiador João Borges Fortes: "a missão de ocupar,
guardar, defender e aumentar o patrimônio territorial e moral da pátria
era uma missão de tal maneira transcendente, que os índios,
animalizados, e os negros escravos, meros instrumentos humanos de
trabalho, seriam incapazes de realizar. Os novos colonizadores iam
receber o legado de conservarem ilesos os ideais portugueses."
No arquipélago dos Açores, a explosão demográfica e a escassez de terras
aráveis constituíam problemas para o Reino de Portugal e a solução
estaria em promover a imigração de famílias para o outro lado do
Atlântico. Com isto também seria solucionado o problema da ocupação das
terras, que afligia tanto ao Governo Militar de Santa Catarina quanto à
Comandância Subsidiária de São Pedro do Rio Grande.
No dia 9 de agosto de 1747, depois de ouvido o Conselho Ultramarino, o
rei D. João V assinou a autorização para que as famílias dos Açores
fossem transferidas para as partes do Brasil em que fossem mais
necessárias, tendo em vista principalmente a Ilha de Santa Catarina e
outras porções meridionais. Nesse mesmo dia tornou-se público o pregão,
marcando as regalias com que os ilhéus podiam contar: transporte,
concessão de terras, ajuda de custo em dinheiro, ferramentas e gêneros
alimentícios.
No
ano seguinte o governador de Santa Catarina, José da Silva Paes, já
estava recebendo em Desterro (hoje Florianópolis) o primeiro lote de
'casais' (famílias) provenientes dos Açores. Em 1749, mais cem famílias
e em 1750, mais trezentas.
Nesse ano foi assinado o Tratado de Madri, pelo qual os espanhóis se
assenhoreavam da Colônia de Sacramento em troca dos Sete Povos da
Missões Orientais do Rio Uruguai. Desde logo se pretendeu destinar para
a região missioneira as levas açorianas que continuavam chegando em
Santa Catarina. Em 1752 um primeiro grupo é remetido, para a vila de Rio
Grande. Outros navios já vem ancorando em Desterro, e não tardará que
aguardem sua vez de descerem mais 550 famílias, perfazendo cerca de
3.000 pessoas. Simultaneamente é dada ao capitão paulista Mateus de
Camargo Siqueira, a incumbência de estabelecer à beira do Guaíba, um
alojamento seguro para os casais em trânsito para as Missões. No dia 13
de novembro de 1752, ele inicia os trabalhos de melhoria do porto
natural ali existente, ao mesmo tempo que ergue choupanas para abrigo
dos esperados ilhéus. Ao novo e modesto arraial foi dado o nome de Porto
de Viamão.
Inesperadamente, os índios missioneiros reagiram às determinações do
Tratado de Madrid recusando-se a entregar as terras a Portugal. Em
decorrência deste conflito, os casais açorianos não puderam seguir para
o destino pretendido e ficaram retidos no Porto de Viamão, atual Porto
Alegre.
Terminada a
chamada Guerra Guaranítica, houve condições para que os primeiros
imigrantes recebessem terras para habitação e cultivo na região. Esses
colonos distribuíram-se por Nossa Senhora do Rio Pardo, São José do
Taquari, Santo Antônio da Patrulha, São Luiz Gonzaga de Mostardas, Nossa
Senhora da Conceição do Piratini e outras localidades. Sua maior
contribuição ao Continente do Rio Grande consistiu em um novo modo de
viver, diferente das andanças de guerra e do nomadismo das campereadas e
tropeadas. Marido, mulher e filhos construíram lares. Ao lado da caça
aos bois, surgiu a agricultura. O que até então havia sido transitório,
tornou-se estável, preso ao chão, enraizado.
A tradição açoriana - ao lado da influência trazida pelos reinóis do
Minho e Alentejo - marcou profundamente a formação rio-grandense: no
linguajar, na vida doméstica, na gastronomia, nas crenças religiosas,
nas superstições, nos adágios e quadrinhas populares, no lazer em geral
e na dança em particular, nas técnicas de agricultura e de pesca, no
artesanato e na arquitetura.
"Pelo seu modo de ser, os açorianos representaram um fator de equilíbrio
na sociedade de guerreiros e campeadores que o século XVIII projetou no
extremo sul" - são palavras de Guilhermino César - "Tudo neles tendia à
estabilidade, à organização da vida comunal segundo os modelos do
Arquipélago. Isso não quer dizer que o novo meio não tivesse influído
neles também. Pelo contrário, muitos trocaram a economia fechada das
datas (pequenas áreas de terra destinadas a chácaras) pelo campo
indiviso, pela preia ao gado e pelas tropeadas, tornando-se também
campeadores".
In: 'Calendário Histórico Cultural do Rio Grande do Sul', publicação do
Instituto Estadual do Livro - RS, no governo de José Augusto Amaral de
Souza (15.03.1979/15.03.1983).
Bibliografia: História do Rio
Grande do Sul, Período Colonial, de Guilhermino César. Os Casais
Açorianos; Presença lusa na formação sul-rio-grandense, de João Borges
Fortes. História do Rio Grande do Sul, de Danilo Lazzarotto. A
Guarda Velha de Viamão, de Ruben Neis.
|